quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Desafio National Geographic

As notícias sobre a Amazônia que chegam aos olhos e ouvidos dos brasileiros são, por natureza, fragmentadas e muitas vezes contraditórias. Ora se dá conta de que a selva tropical brasileira nunca esteve tão protegida. Ora soam os clarins do apocalipse e anuncia-se a morte iminente da maior reserva de água doce, plantas e animais do planeta.

Onde está a verdade? A reportagem de VEJA que começa aqui tenta responder a essa indagação. A questão é mesmo complexa e multifacetada, mas esperamos que o leitor saia destas páginas com conhecimento bem mais objetivo da Amazônia. A reportagem foi dividida em seis capítulos e se apóia em um conjunto de gráficos extraordinários produzidos pela equipe da editora Andreia Caires. Há um resumo possível de tudo o que se vai ler? Sim.

Existem hoje leis, saber científico e vigilância remota suficientes para permitir a ocupação econômica da Amazônia sem alterar substancialmente seu metabolismo – mas para isso é vital que as leis sejam cumpridas, a ciência aplicada e a vigilância por satélites complementada com extensiva ação policial punitiva aos desmatadores.



Basta listar algumas das características da Floresta Amazônica para concluir que sua extinção seria uma tragédia para a humanidade. Maior floresta tropical do mundo, ela abriga 15% de todas as espécies de plantas e animais conhecidas no planeta. Só de peixes são 3 000 tipos. Na Amazônia encontram-se duas vezes mais espécies de aves do que nos Estados Unidos e no Canadá. Apesar dos números superlativos, calcula-se que apenas um décimo da biodiversidade da região tenha sido estudado.

O motivo é que a maioria das coletas que buscam novas espécies se concentra nas regiões próximas aos centros urbanos e às margens dos rios. Não se sabe ao certo em que medida o desaparecimento desse extraordinário bioma afetaria o aquecimento global. Mas estudos recentes mostram que o sumiço da floresta alteraria a precipitação das chuvas em várias regiões do globo, entre elas a Bacia do Prata, a Califórnia, o sul dos Estados Unidos, o México e o Oriente Médio, causando perturbações imprevisíveis à agricultura dessas regiões.

No Brasil não seria diferente. Por meio da evaporação, a Amazônia produz um volume de vapor d’água que responde pela formação de 60% da chuva que cai sobre as regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. A diminuição da chuva teria um impacto direto sobre a produtividade agrícola em estados como Mato Grosso, Goiás e São Paulo. Os rios que abastecem o reservatório da Hidrelétrica de Itaipu teriam sua vazão sensivelmente diminuída, causando um colapso energético no país.

Na semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou os números do desmatamento na Amazônia em fevereiro, medido por seus satélites. Como já ocorrera no fim do ano passado e no mês de janeiro, o índice mostra a devastação em alta. No mês passado foram cortados 725 quilômetros quadrados de mata, contra os 266 quilômetros quadrados do último índice disponível para um mês de fevereiro, o de 2005. A escalada no desmatamento é notícia que mexe com o brio dos brasileiros. Equivale à derrota do país numa competição esportiva no exterior. Afinal, a Amazônia é um patrimônio nacional a ser preservado.



A celeuma sobre o aumento do desmatamento na Amazônia foi fomentada por um boletim de janeiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que estimou o sumiço de 7 000 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica entre agosto e dezembro de 2007. O anúncio causou consternação no governo federal, que vinha alardeando a queda do desmatamento nos últimos três anos. Por sua vez, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, mandou realizar estudos para desmentir a afirmação segundo a qual seu estado foi aquele que mais desmatou.

O sistema de monitoramento por satélite da Amazônia é uma referência internacional de qualidade – mas, nesse caso, havia bons argumentos para contestação. O Inpe utiliza dois sistemas, o Prodes e o Deter. O primeiro, mais acurado, fotografa a região durante o período de seca, que termina em setembro, e serve de base para a comparação entre um ano e outro. Só registra áreas já limpas de floresta. O Deter opera o ano todo e tem a função de alertar sobre novos focos de desmatamento. Por isso leva em conta as várias fases de degradação da vegetação. Eram desse sistema os dados usados para dar o alerta em janeiro.

Na verdade, o Deter detectou 3 235 quilômetros quadrados em diferentes níveis de desmatamento. Como esse sistema capta entre 40% e 60% do que é registrado pelo Prodes, os pesquisadores multiplicaram o resultado por dois. Não se trata de um número fechado, mas de uma projeção estatística dos dados obtidos pelos satélites. Quem questiona o alerta diz que muitas áreas degradadas podem permanecer dessa maneira por anos, sem nunca ser levadas em conta no índice anual do desmatamento. Isso não muda a situação. O que se pode dizer com certeza é que o número de alertas do Deter subiu quase 30% nos últimos meses. Só existe uma tradução possível: a atividade predatória aumentou na Amazônia.


A celeuma sobre o aumento do desmatamento na Amazônia foi fomentada por um boletim de janeiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que estimou o sumiço de 7 000 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica entre agosto e dezembro de 2007. O anúncio causou consternação no governo federal, que vinha alardeando a queda do desmatamento nos últimos três anos. Por sua vez, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, mandou realizar estudos para desmentir a afirmação segundo a qual seu estado foi aquele que mais desmatou.

O sistema de monitoramento por satélite da Amazônia é uma referência internacional de qualidade – mas, nesse caso, havia bons argumentos para contestação. O Inpe utiliza dois sistemas, o Prodes e o Deter. O primeiro, mais acurado, fotografa a região durante o período de seca, que termina em setembro, e serve de base para a comparação entre um ano e outro. Só registra áreas já limpas de floresta. O Deter opera o ano todo e tem a função de alertar sobre novos focos de desmatamento. Por isso leva em conta as várias fases de degradação da vegetação. Eram desse sistema os dados usados para dar o alerta em janeiro.

Na verdade, o Deter detectou 3 235 quilômetros quadrados em diferentes níveis de desmatamento. Como esse sistema capta entre 40% e 60% do que é registrado pelo Prodes, os pesquisadores multiplicaram o resultado por dois. Não se trata de um número fechado, mas de uma projeção estatística dos dados obtidos pelos satélites. Quem questiona o alerta diz que muitas áreas degradadas podem permanecer dessa maneira por anos, sem nunca ser levadas em conta no índice anual do desmatamento. Isso não muda a situação. O que se pode dizer com certeza é que o número de alertas do Deter subiu quase 30% nos últimos meses. Só existe uma tradução possível: a atividade predatória aumentou na Amazônia.


No fim da década de 60, sob a justificativa de que era preciso ocupar a Amazônia para evitar sua internacionalização, os governos militares distribuíram terras e subsídios a quem se dispusesse a se embrenhar na floresta. A ação atraiu para o lugar pequenos agricultores e pecuaristas do Sul e do Sudeste. Desde então, a agropecuária floresceu onde antes só havia a atividade extrativista.

Atualmente, 36% do gado bovino e 5% das plantações de soja do país encontram-se na região amazônica. Investir ali é um ótimo negócio. As terras custam até um décimo do valor no Sudeste. As linhas de crédito dos bancos oficiais oferecem juros anuais subsidiados na faixa de 5% a 9% – contra 26% a 34% em outras regiões. A fartura de chuvas faz com que o pasto viceje o ano todo e, em conseqüência disso, os bois atingem a maturidade para abate um ano mais cedo.

Nas últimas duas décadas, a expansão do agronegócio fez com que as lavouras e pastos avançassem cada vez mais pela floresta, contribuindo para o desmatamento. Sabe-se que a mata amazônica já perdeu 17% de sua cobertura original. As imagens de satélite revelam que quase 40% dessa devastação foi realizada nos últimos vinte anos. Surge aí a questão: quanto é aceitável desmatar para dar lugar ao agronegócio? Ninguém sabe, porque nenhum governo produziu um plano de longo prazo para a ocupação da Amazônia.

Mas uma coisa é certa: os fazendeiros estabelecidos na região não são criminosos porque derrubam parte da floresta para tocar seu negócio. Eles contribuem para o desenvolvimento da Amazônia, criam empregos e somam pontos ao PIB do país. O que precisa ser combatido é o desmatamento selvagem, feito à sombra dos órgãos ambientais, muitas vezes por grileiros de terras públicas que não hesitam em sacar da pistola contra quem se opõe a seus interesses. As estatísticas mostram que as toras retiradas à sorrelfa da Amazônia chegam a 80% de toda a produção madeireira da região.

Antes de serem vendidas em outros estados do Brasil e no exterior, essas toras são "legalizadas" por meio de documentos forjados. Já os fazendeiros e madeireiros que cortam madeira dentro da lei submetem-se a um plano de manejo sustentável aprovado pelo Ibama e pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente. O plano determina a quantidade de madeira a ser retirada e replantada. Esses empresários não são inimigos da floresta.


No fim da década de 60, sob a justificativa de que era preciso ocupar a Amazônia para evitar sua internacionalização, os governos militares distribuíram terras e subsídios a quem se dispusesse a se embrenhar na floresta. A ação atraiu para o lugar pequenos agricultores e pecuaristas do Sul e do Sudeste. Desde então, a agropecuária floresceu onde antes só havia a atividade extrativista.

Atualmente, 36% do gado bovino e 5% das plantações de soja do país encontram-se na região amazônica. Investir ali é um ótimo negócio. As terras custam até um décimo do valor no Sudeste. As linhas de crédito dos bancos oficiais oferecem juros anuais subsidiados na faixa de 5% a 9% – contra 26% a 34% em outras regiões. A fartura de chuvas faz com que o pasto viceje o ano todo e, em conseqüência disso, os bois atingem a maturidade para abate um ano mais cedo.

Nas últimas duas décadas, a expansão do agronegócio fez com que as lavouras e pastos avançassem cada vez mais pela floresta, contribuindo para o desmatamento. Sabe-se que a mata amazônica já perdeu 17% de sua cobertura original. As imagens de satélite revelam que quase 40% dessa devastação foi realizada nos últimos vinte anos. Surge aí a questão: quanto é aceitável desmatar para dar lugar ao agronegócio? Ninguém sabe, porque nenhum governo produziu um plano de longo prazo para a ocupação da Amazônia.

Mas uma coisa é certa: os fazendeiros estabelecidos na região não são criminosos porque derrubam parte da floresta para tocar seu negócio. Eles contribuem para o desenvolvimento da Amazônia, criam empregos e somam pontos ao PIB do país. O que precisa ser combatido é o desmatamento selvagem, feito à sombra dos órgãos ambientais, muitas vezes por grileiros de terras públicas que não hesitam em sacar da pistola contra quem se opõe a seus interesses. As estatísticas mostram que as toras retiradas à sorrelfa da Amazônia chegam a 80% de toda a produção madeireira da região.

Antes de serem vendidas em outros estados do Brasil e no exterior, essas toras são "legalizadas" por meio de documentos forjados. Já os fazendeiros e madeireiros que cortam madeira dentro da lei submetem-se a um plano de manejo sustentável aprovado pelo Ibama e pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente. O plano determina a quantidade de madeira a ser retirada e replantada. Esses empresários não são inimigos da floresta.


O diagnóstico é do ambientalista Paulo Adário, coordenador internacional do Greenpeace na Amazônia: "Há uma grande esquizofrenia na ação do governo. Enquanto o Ibama e o Serviço Florestal Brasileiro criam regras e normas elogiáveis, melhoram o sistema de monitoramento para empresas e comunidades, outro órgão do mesmo governo, o Incra, promove assentamentos de sem-terra no meio da floresta. Sem conseguirem sobreviver com a lida da terra, os assentados acabam por desmatar tudo". Apesar de freqüentemente esquecida na questão amazônica, a ação do Incra e de seus parceiros, os sem-terra, responde sozinha por 20% de todo o desmatamento registrado na região.

Seis de cada dez famílias que o governo assentou entre 1995 e 2006 foram levadas para a Amazônia. Hoje, elas somam 1,3 milhão de famílias. Cada uma recebeu um lote médio de 100 hectares e a autorização para desmatar apenas 3 hectares por ano. Apesar de esse limite não ser respeitado, as áreas estão a salvo da fiscalização do Ibama por decisão do governo federal. Com a impunidade assegurada, assentados e grupos de sem-terra são atualmente os maiores fornecedores de madeira retirada da floresta sem autorização dos
órgãos ambientais.

Em razão de um ranço ideológico dos anos 60, o Incra persegue os agricultores que deixam a floresta em pé. É a ultrapassada idéia de que, se não prepararam a área para o cultivo, é porque estão especulando com a terra. Os fiscais consideram a reserva florestal como terra improdutiva e acabam por designar a fazenda como de interesse para a reforma agrária. Com medo de serem desapropriados, os agricultores vêem a reserva florestal como uma área que precisa ser derrubada quanto antes.

Na Amazônia há uma profusão de grupos oportunistas, criados para invadir terras. Esses sem-terra são, na realidade, gente pobre que vive e tem casa nas cidades do entorno, mas aproveita a infra-estrutura oferecida pelo Incra para tentar descolar um pedaço de terra. Para alegarem que a gleba é improdutiva, os invasores atacam as áreas de mata e reserva legal. Para justificarem que estão tornando o lugar produtivo, jogam a floresta no chão para plantar roçados e montar acampamentos.

Em todos esses casos, os invasores contam com a ajuda do Incra. Basta o envio de um cadastro das famílias para o governo mandar cestas básicas mensalmente. Além do conhecido MST, entraram em ação movimentos obscuros como a Liga dos Camponeses Pobres, a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar e a belicosa Liga Operária e Camponesa. O resultado é o caos na floresta. Dos 761 conflitos pela terra registrados no Brasil em 2006, quase metade ocorreu na Amazônia.
Sem-terra, mas com madeira da reserva
Há oito meses, a maranhense Chislene Souza, de 31 anos, apenas dorme em sua casa de tijolos em Santana do Araguaia, no sul do Pará. Ela passa o dia numa barraca de lona às margens da BR-158. Como ela, outras oitenta famílias que invadiram a fazenda Ouro Verde sob a chancela da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) esperam ganhar parte da propriedade e 18 000 reais do Incra para começar as roças. "Por ora, a gente só ganha cesta básica", choraminga. Enquanto esperam, Chislene e os companheiros roem a reserva florestal da fazenda para vender a madeira.


O diagnóstico é do ambientalista Paulo Adário, coordenador internacional do Greenpeace na Amazônia: "Há uma grande esquizofrenia na ação do governo. Enquanto o Ibama e o Serviço Florestal Brasileiro criam regras e normas elogiáveis, melhoram o sistema de monitoramento para empresas e comunidades, outro órgão do mesmo governo, o Incra, promove assentamentos de sem-terra no meio da floresta. Sem conseguirem sobreviver com a lida da terra, os assentados acabam por desmatar tudo". Apesar de freqüentemente esquecida na questão amazônica, a ação do Incra e de seus parceiros, os sem-terra, responde sozinha por 20% de todo o desmatamento registrado na região.

Seis de cada dez famílias que o governo assentou entre 1995 e 2006 foram levadas para a Amazônia. Hoje, elas somam 1,3 milhão de famílias. Cada uma recebeu um lote médio de 100 hectares e a autorização para desmatar apenas 3 hectares por ano. Apesar de esse limite não ser respeitado, as áreas estão a salvo da fiscalização do Ibama por decisão do governo federal. Com a impunidade assegurada, assentados e grupos de sem-terra são atualmente os maiores fornecedores de madeira retirada da floresta sem autorização dos
órgãos ambientais.

Em razão de um ranço ideológico dos anos 60, o Incra persegue os agricultores que deixam a floresta em pé. É a ultrapassada idéia de que, se não prepararam a área para o cultivo, é porque estão especulando com a terra. Os fiscais consideram a reserva florestal como terra improdutiva e acabam por designar a fazenda como de interesse para a reforma agrária. Com medo de serem desapropriados, os agricultores vêem a reserva florestal como uma área que precisa ser derrubada quanto antes.

Na Amazônia há uma profusão de grupos oportunistas, criados para invadir terras. Esses sem-terra são, na realidade, gente pobre que vive e tem casa nas cidades do entorno, mas aproveita a infra-estrutura oferecida pelo Incra para tentar descolar um pedaço de terra. Para alegarem que a gleba é improdutiva, os invasores atacam as áreas de mata e reserva legal. Para justificarem que estão tornando o lugar produtivo, jogam a floresta no chão para plantar roçados e montar acampamentos.

Em todos esses casos, os invasores contam com a ajuda do Incra. Basta o envio de um cadastro das famílias para o governo mandar cestas básicas mensalmente. Além do conhecido MST, entraram em ação movimentos obscuros como a Liga dos Camponeses Pobres, a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar e a belicosa Liga Operária e Camponesa. O resultado é o caos na floresta. Dos 761 conflitos pela terra registrados no Brasil em 2006, quase metade ocorreu na Amazônia.

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